A proteção do consumidor-menor frente a publicidade infantil.

A publicidade infantil se refere ao marketing voltado para crianças com o objetivo de estimular o consumo de produtos e serviços específicos.

Apesar da proteção legal conferida às crianças e aos adolescentes na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e no Código de Defesa do Consumidor, a publicidade infantil ainda ocorria de forma desenfreada no Brasil até o início dos anos 2000, quando tiveram início discussões mais aprofundadas sobre o tema.

Em 2006, o Instituto Alana realizou o I Fórum Internacional Criança e Consumo, na cidade de São Paulo. No evento, foram expostas reflexões acerca das consequências negativas da publicidade infantil no desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes. Além disso, foi apresentado um panorama legal acerca da proibição à publicidade infantil abusiva.

Dois anos depois, foi lançado o documentário brasileiro “Criança, A Alma do Negócio”. Na obra, a diretora Estela Renner mostrou como a publicidade infantil pode impactar na formação de crianças e adolescentes.

Estes dois eventos fomentaram o debate sobre o tema e auxiliaram no surgimento de diversos projetos de lei e iniciativas com o objetivo de combater a publicidade infantil abusiva.

No ano de 2014, a questão foi regulamentada de forma específica pela Resolução n. 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, a qual considera abusiva, e, portanto, ilegal, a prática de publicidade infantil.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), também protege as crianças de estratégias comerciais abusivas ou desleais, incluindo aquelas que afetam sua privacidade. Portanto, a regulamentação visa equilibrar os interesses comerciais com a proteção das crianças, considerando sua hiper vulnerabilidade.

Mas o que caracteriza a publicidade infantil abusiva?

As principais características da publicidade infantil abusiva, nos ditames da Resolução n. 163/2014 do CONANDA, são:

  • Linguagem infantil, dirigida diretamente à criança/adolescente;
  • Recursos estéticos do universo infantil, tais como visual colorido, música infantil, efeitos especiais e personagens de animações e jogos;
  • Associação do produto a personagens com apelo infantil;
  • Utilização de apresentadores de programas infantis, cantores e atores mirins;
  • Compra de produtos associada à oferta de brindes colecionáveis.

Essas práticas, buscam influenciar indivíduos que ainda estão em processo de formação, que não possuem plena capacidade para decidir aceitar ou recusar um produto e para discernir, por exemplo, o que é real e o que são efeitos especiais, a publicidade infantil é considerada nociva e, por esse motivo, abusiva.

Cabe destacar que, com a expansão da internet temos enfrentado uma dificuldade cada vez maior de fiscalização da publicidade infantil neste universo. Isso porque os conteúdos estão repletos de novas formas de publicidade.

O comercial saiu dos intervalos da televisão e passou a fazer parte do conteúdo consumido pelas crianças e adolescentes. Com isso, é cada vez mais difícil conseguir distinguir o conteúdo da publicidade, até mesmo pelos adultos.

É o caso, por exemplo, do “unboxing” de brinquedos e artigos voltados para o público infantil. O termo, em inglês, se refere ao ato de desembalar novos produtos, prática que ficou conhecida no YouTube. Nos vídeos neste formato, criadores de conteúdo gravam e compartilham na internet a experiência de receber e abrir a embalagem de um produto de determinada marca.

Em 2019, o caso do canal FunToyzCollector, voltado exclusivamente ao “unboxing” de brinquedos da Disney, ficou conhecido no Brasil após o Ministério Público fazer um apelo judicial para a derrubada deste conteúdo, sob justificativa de que as empresas estariam usando o YouTube com a finalidade de driblar a lei e praticar a publicidade infantil.

O canal continua ativo, no entanto, é um exemplo prático da urgência de novas reflexões sobre o uso da internet por crianças, especialmente no tocante. No ano de 2019, a empresa “Danone” foi multada no valor de R$107.000,00 por conta de duas campanhas publicitárias do produto Danoninho, “Mini Dinos” e “Dino Profissões”, as quais foram consideradas como publicidade infantil abusiva.

O processo teve início no ano de 2015 e, dois anos depois, o Procon do Estado do Paraná considerou que os comerciais apresentavam “falta de isonomia na relação de consumo, sendo que, diferentemente de adultos, crianças podem se confundir facilmente com material publicitário”.

Neste mesmo ano, a empresa “Bauducco” foi condenada judicialmente por comercial que utilizava “estratégia que explora a deficiência de julgamento e experiência do público infantil”.

Já no ano seguinte, em 2020, foi a vez da empresa de alimentos “Vigor” ser responsabilizada, pela segunda vez, por publicidade infantil abusiva. Desta vez, a empresa foi multada em valor superior a R$1 milhão de reais, por publicidade direcionada ao público infantil.

Tais decisões são importantes para reiterar a ilegalidade de tais condutas e coibir a prática abusiva por parte das empresas, com o reconhecimento de proteção absoluta aos direitos das crianças, especialmente nas relações consumeristas. à publicidade infantil.

Diante do que foi exposto, é possível concluir que, no Brasil, a publicidade infantil é uma prática considerada abusiva e que possui regulamentação específica desde o ano de 2014, mediante publicação da Resolução n. 163 do CONANDA.

É importante lembrar que a publicidade de produtos infantis não é proibida, desde que seja direcionada ao público adulto e que não faça comunicação, direta ou indireta, com o público infantil.

Apesar dos avanços legislativos, vemos que a internet trouxe novos desafios relacionados à publicidade infantil, os quais devem ser debatidos com urgência no intuito de evitar que esse tipo de marketing se torne desenfreado novamente.

 

Artigo escrito pela Advogada Tainara Vieira, sob a Supervisão do Advogado Luan Azevedo Baptista D’Alexandria.